O Andaime

O tempo que eu hei sonhado Quantos anos foi de vida! Ah, quanto do meu passado Foi só a vida mentida De um futuro imaginado!
Aqui à beira do rio Sossego sem ter razão. Este seu correr vazio Figura, anônimo e frio, A vida vivida em vão.
A ‘sp’rança que pouco alcança! Que desejo vale o ensejo? E uma bola de criança Sobre mais que minha ‘s’prança, Rola mais que o meu desejo.
Ondas do rio, tão leves Que não sois ondas sequer, Horas, dias, anos, breves Passam — verduras ou neves Que o mesmo sol faz morrer.
Gastei tudo que não tinha. Sou mais velho do que sou. A ilusão, que me mantinha, Só no palco era rainha: Despiu-se, e o reino acabou.
Leve som das águas lentas, Gulosas da margem ida, Que lembranças sonolentas De esperanças nevoentas! Que sonhos o sonho e a vida!
Que fiz de mim? Encontrei-me Quando estava já perdido. Impaciente deixei-me Como a um louco que teime No que lhe foi desmentido.
Som morto das águas mansas Que correm por ter que ser, Leva não só lembranças — Mortas, porque hão de morrer.
Sou já o morto futuro. Só um sonho me liga a mim — O sonho atrasado e obscuro Do que eu devera ser — muro Do meu deserto jardim.
Ondas passadas, levai-me Para o alvido do mar! Ao que não serei legai-me, Que cerquei com um andaime A casa por fabricar. 

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