Calorias e Culpas

Olho gordo dos fiscais do peso alheio
(de Jô Soares)

Tenho horror a ver falar em engordar, mas não por problema estético. Já foi a época em que sonhei me transformar na versão mignon da Cindy Craford Sempre fui um pouquinho vaidosa. Mas, entre um prato de lasanha e a silhueta, eu costumo optar pelo primeiro. Sem falar em pães, massas, doces, batatas fritas, bolos, sorvetes, arroz, feijão, cappuccinos, musses, McDonalds, Ah! Não perco nada. Não me arrependo. Durante muito tempo eu e minha comilança, até tentamos ser felizes. Mas quando comecei atender pessoas querendo “perder” peso, e aprender sobre alimentação saudável. Comecei a me incomodar com a maldade humana. Resolvi fazer regime.
O gordo, seja rechonchudo ou tipo barril há também os modelo alambique - é uma vítima do veneno constante, destilado em cada encontro por amigos, parentes, amores. Todos se tornam fiscais do peso. Basta ganhar um quilinho, lá vem alguém com um sorriso pérfido: - Engordou? Já pensei muito sobre esse sorriso. Cumplicidade? Coisa nenhuma. É alegria. A pessoa se compara, e acha que é mais magra. Ou que ficarei tão gorda quanto ela. Puro instinto de concorrência. Todos vigiam. O gordo fiscaliza o gordo. O magro, a todos. Quantas vezes, no meio de uma garfada de uma delícia suculenta, ouvi de um companheiro de mesa:
- Isso engorda. E daí, se engorda? Nunca vi ninguém dizer para o comandante de um boing, que ele pode se estatelar no chão, antes de iniciar um vôo. Mas as pessoas ficam felizes com a nossa expressão de culpa, que anula o prazer do quitute sedutor. Se tivessem a mesma paixão por vigiar assaltantes, o mundo seria um mar de rosas. Mas a conspiração é contra o gordo.
Sei de pessoas rotundas e maravilhosas, felizes que, depois de anos sendo atormentadas, se internam em spas. Para depois durante a noite, devorarem os brotos de samambaias da decoração. Houve uma vez que um spa que eu trabalhei prometia massa no cardápio. Ofereceu quatro fios de espaguete aos gordos seduzidos pela propaganda. Nem os gregos imaginam tal suplício. Claro que foi onde cancelei meu contrato com o spa. Uma amiga curitibana e rechonchuda foi com o irmão visitar o muro das lamentações, em Israel. Um árabe aproximou-se do irmão e ofereceu 100 camelos pela fofa beldade. Sim os árabes gostam de gordinha. E também continuam com o hábito medieval de comprá-las para haréns, acreditem ou não. O irmão recusou a oferta, chocado. Minha amiga não se conforma até hoje. Ainda disse que foi a única chance de se tornar um símbolo sexual sem parar de comer.
Vendedora de loja, então é um terror. Já fiquei observando...Basta pedir um jeans e dar o número. Ela faz um falso olhar de dúvida: - Não sei se temos o tamanho. Admira por instantes a expressão de infelicidade e culpa. Depois, atira uma calça mais larga, alegremente. E outros comentários que já observei atirarem como pedras sobre os gordinhos que nem vou citar.
Mas o pior é quando se começa o regime. Todos esses seres que nos cercam, preocupados com a gordura e o bem estar da gente, mudam da água para o vinho. Vai um docinho? - Obrigado, comecei o regime. - Um só não engorda. Todos se unem para gritar, em coro uníssino: -um só, um só...humm!
De repente cedemos a tentação. Uma bala. Um marzipã. Um sorvete. Uma musse. Uma dúzia de quindins. O jeito é fazer regime em segredo. Mas aí vem outro problema. Hoje em dia quem emagrece demais ganha um olhar torto. Uns tempos atrás, minha irmã comentou assustada sobre um empresário famoso que conhecemos, idoso, senhor de cabelos alvos e ex-dono de uma grande barriga. - Está emagrecendo muito. Será que é AIDS?
Imaginei o pobre senhor vaidoso, comendo uma espiga de milho por dia para permanecer magro, e alvo das dúvidas dos outros.
Prestes a iniciar um regime me vejo na obrigação de ficar magra feito a Mila Chyriste. Eu, nunca pensei em aparecer nua na playboy. Só me consola saber que não sou tão gorda assim. Imagino que, para os pesadões atuais, a vigilância é bem pior. E se não bastasse isso, as mulheres que além de magras querem parecer jovens até os 80 anos. Portanto, Não vou fazer regime. Os fiscais do peso alheio andam de olho gordo, à espreita. E hoje em dia só aceitam mesmo a perfeição.
O que se tem que fazer nesse vale de lágrimas, é não se deixar influenciar, e mais do que tudo construir a identidade, aumentar o amor por si mesmo. Não tomar medicação sem orientação médica. E procurar métodos para conter a ansiedade. Quando estamos nos cuidando por amor a nós mesmos e nossa saúde em geral, claro que é ótimo fazer exercícios, cuidar da alimentação, e tudo mais. O que temos que fazer é não escravizar-se pelo olho gordo dos fiscais do peso alheio.
Adaptação livre Maria Rita

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